DESVENTURAS DE UM FIAT UNO NA POLÍCIA
FEDERAL:DIRETO DO TÚNEL
DO TEMPO
Dia, absolutamente normal de trabalho.
Tudo transcorrendo na mais perfeita ordem.
Processos chegando, elevadores lotados no meu trabalho. E para variar...
um flagrante apareceu para que eu tomasse as providências.
Naquela época a vida de flagrante era bem
mais fácil. A Polícia Federal ainda mantinha a carceragem na unidade do
Gutierrez. Assim, era muito mais fácil entrar em contato com o preso, do que
agora, em que temos que nos deslocar para a Penitenciária Nelson Hungria
localizada Nova Contagem.
Assim, peguei a cópia do auto de prisão em
flagrante, me inteirei dos fatos e lá fui em direção à carceragem da Polícia
Federal, no Uno Mille azul de minha “mamis”.
Parei em um sinal, e um ônibus estava em
minha frente. Analisei a posição do veículo e calculando pude ver que se me
deslocasse um pouco para a esquerda poderia ultrapassá-lo. Detalhe importante é
que o referido veículo de condução permanecia parado. Absolutamente e totalmente
parado! Assim, analisadas as condições da via, o espaço de ultrapassagem e
considerando o fato do ônibus estar completamente parado, engrenei a primeira
marcha e lá fui.
Após menos de dez metros de início da
manobra percebi um tranco no carro e um barulho de metal arranhando contra
metal. Não sei por que não atinei que poderia ser o meu carro contra a lataria
do ônibus e continuei minha marcha até que o retrovisor direito fosse arrancado
e ficasse dependurado por um cabo, como se desfalecido sobre minha porta.
O trocador, bem como todos os transeuntes,
começaram a falar: “Dona a senhora está batendo no ônibus! Para! Para! E eu não
sei porque (e não me perguntem porque) falei que conseguiria fazer a manobra e
que era só continuar abrindo a curva. Ledo engano. Amassei a lataria do Uno de
mamãe, do para-choque dianteiro, até a lanterna traseira. Foi um estrago!
O povo estarrecido começou a me perguntar
se eu estava bem... se estava passando mal...
O motorista do ônibus desceu preocupado
comigo e conferindo a lataria do ônibus, que não sofreu, por incrível que
pareça, nenhuma avaria, me perguntou: “A senhora está bem? Precisa que alguém
te leve para casa? Tem alguma pessoa que podemos comunicar? E eu, não
entendendo a preocupação falei que não, me desculpei pelo transtorno que a
minha manobra tinha causado. Falei, ainda, que tinha seguro, mas como o ônibus
não tinha sofrido avarias o motorista falou que não era necessário.
Então, continuei meu percurso até a Polícia
Federal. Pensem bem... num Uno avariado e com o retrovisor dependurado pelo
cabo, pois não tinha notado que ele, ainda, continuava desfalecido sobre a
porta direita.
Embiquei o carro na porta da Polícia, me
identifiquei, apresentando minha carteira funcional e o porteiro que não me
conhecia, absolutamente chocado com o estado do carro (Seus olhos pulavam das
suas órbitas oculares) sem saber o que fazer me disse: “Senhora aqui só é
permitida a entrada de veículos oficiais.” E eu: “Mas como? Sempre vim aqui e
isso nunca foi problema. O Delegado já liberou funcionários da minha Unidade
para entrar com carro particular. O meu chefe mesmo veio aqui ontem e não teve
problema. Mesmo porque se for preciso carro oficial vai ser difícil, porque ,
ainda, não temos veículo oficial, disponível para esse tipo de serviço.”
O porteiro continuava: “É... mas são normas
da casa. Só carros oficiais... e seria possível a senhora tirar o carro da
frente do portão?” E eu continuava, também: “Não, não seria possível, senhor.
Eu já te apresentei minha carteira funcional e como já expliquei podemos
entrar em veículos particulares.” E o porteiro dizia: “Mas porque a senhora não
para no estacionamento lá fora?” E eu: “Porque paga e eu não preciso pagar
estacionamento, pois como já
informei podemos entrar com
o veículo particular até que tenhamos carros oficiais, suficientes para suprir
a demanda do serviço”.
O porteiro então, vendo que não renderia
minha posição me comunicou que chamaria seus superiores para confirmar o
entendimento.
Detalhe: Eu de terninho, uma hora da tarde
de final de outubro, um sol de rachar o coco, meu carro sem ar condicionado e
para completar nenhuma brisa corria por Belo Horizonte.
Eu literalmente “torrava” no sol escaldante
da primavera seca de nossa Cidade. Suava em bicas, no sentido literal da
palavra e a esta altura minha maquiagem já tinha ido para as “cucuias” e meu
cabelo estava todo molhado, obviamente de suor.
De repente, escuto a voz bem longe: “Dra.
Letícia? Dra. Letícia?” E bem ao fundo o Agente da Polícia Federal encarregado
da carceragem, que me conhecia, se aproximava. No início pensei que fosse uma
miragem. Faziam uns 38 graus e eu, nem óculos escuros estava usando.
O Agente se aproxima e diz para o Porteiro:
“Pode liberar a entrada para a Doutora. Nós mandamos um comunicado de prisão em
flagrante e o preso está esperando para falar com ela. Sempre ela que vem. Eu
já a conheço.”
Assim, a cancela se abre e eu engato a
primeira para entrar no pátio da Polícia Federal. O Agente fala: “Só um instante
Doutora... seu retrovisor está dependurado. Posso recolocá-lo? Assim, a Senhora
não corre o risco de perdê-lo no caminho.” Eu: “Claro. Muito obrigada pela
gentileza.”
Bebo uma água vou até a carceragem,
converso com o preso. Pego as informações padrões tipo: Há contato de
familiares para que eu possa pedir comprovante de endereço e de atividade
lícita e coisas do gênero para que eu possa instruir um pedido de liberdade,
que sempre faço.
Sei que muita gente não concorda, mas como
não fui eu que prendi, não sou eu que vou decidir se ele continua ou não
cadeia. Então, todas as vezes faço o famoso Pedido de Liberdade Provisória.
Aliás, um parênteses: todo mundo sempre
quer, na esfera cível um mandado de segurança, e na esfera penal um Habeas corpus. Não importa de que matéria se
trate! Só serve Mandado de Segurança e Habeas
corpus.
Na saída, conversando com o Agente da
Polícia Federal, pergunto se o protocolo havia mudado. Ele me diz que não, mas
que a entrada de veículos tinha sido restringida para evitar que comparsas dos
presos adentrasse a carceragem e tentasse retirá-los de lá, visto que a
segurança estava sendo comprometida e inclusive, justamente por conta disso,
estava sendo firmado um acordo com o Estado para transferir os presos
provisórios para a Penitenciária Nelson Hungria.
No primeiro momento fiquei indignada com a
atitude do porteiro, pois de certo deveria ter pensado que eu iria tentar
ajudar alguém a fugir e que minha carteira funcional era falsa.
Enquanto me dirigia para o carro remoía
está possibilidade de suspeita do porteiro. Pensava: “Será que tenho cara de
criminosa ou coisa parecida?”
Ao chegar ao carro resolvi, antes de sair
conferir o estado do carro e o meu prejuízo, visto que teria que mandar o carro
para a mecânica.
E foi quando percebi que o Uno estava
sem o friso lateral (que deve ter sido arrancado quando arranhei o carro de
fora a fora no ônibus), somado a isso, quando tinha dado entrada no Pátio da
Polícia, o retrovisor estava dependurado... não me sobrou outra alternativa: tive
que dar razão ao rapaz da Portaria.
Definitivamente, suando em bicas e com o
carro neste estado, ele não poderia imaginar outra coisa que não uma invasão
para libertar um preso de lá. Fiquei sinceramente até admirada com sua postura.
No seu lugar acho que teria pedido reforços e solicitado para abrir o porta
malas, chamado uma Policial para fazer uma revista pessoal em minha figura,
pois só em Carteiras Funcionais não dá para acreditar. Principalmente com a
qualidade das falsificações encontradas por aí.
Hoje temos carros funcionais e o meu carro tem ar condicionado (ainda bem, ufa!!!!).
Descabelada... nunca mais rsrs .
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