CINQUENTA TONS DE MARROM
Esse, também é um texto da época
em que Cinquenta Tons era febre nas
livrarias, e escrevi para as minhas amigas. Sempre compartilho meus textos com
elas.
Prezadas amigas,
Recentemente ocorreu um fato
atípico em minha vida. Depois de tantos casos sobre homicídio, Júri de mil e
não sei quantas páginas de uma chacina, achei que já tinha passado por tudo.
Pois bem, o futuro me reservava
algo mais.
Semana passada tive uma
audiência... Tudo corria na mais perfeita normalidade.
O réu compareceu esclareceu
sucintamente suas dúvidas e apresentou suas testemunhas. Duas delas comuns para
o caso e uma Contadora que poderia esclarecer algo sobre a condição deficitária
da empresa (tratava-se de crime do art. 168-A).
Comecei a questionar referida
contadora e ela muito solícita esclarecia os fatos. Falou, falou, falou e como
típico de toda testemunha da Defensoria, se perdia em divagações e não chegava ao ponto, de forma que
tinha que cortá-la para ela retomar o famoso “fio da meada”.
Pronto, era uma testemunha que
servia para algo. Disse para ela que então pediria para ela ser ouvida. Sentada
na sala de espera, sem ter para onde ir e tendo em consideração que a
audiência, ainda iria demorar a acontecer, fiquei quieta com cara de paisagem
evitando conversas sem sentido e desnecessárias que me tomam um tempo danado de
conversa inútil. Confesso que ando meio sem paciência para discutir o “sexo dos anjos”.
De nada me adiantou a cara de
paisagem e os braços cruzados que indicam que a pessoa não está querendo
contato. De certo ninguém leu a reportagem sobre, o que os sinais corporais
dizem a respeito de uma pessoa...
Não recrimino, os homens que
estão à procura de moçoilas para ficarem,
também ignoram tal leitura corporal. Bom, fui abordada por uma pessoa que começou;
“Sabe Dra. eu não entendo... esta questão de Justiça... Porque um homem
responde a processo e outros não... é muito injusto... a gente vê isso. A gente
vê demais isso... Será falta de conhecimento da Justiça? Juiz não vê isso? O
que vai acontecer com o mundo? A senhora pode me dizer? E esta questão de
Justiça? Como pode ser?” E me atropelou com mais uma série de análises sobre
Justiça, Injustiça e não me deixava falar nada.
Enquanto ela falava pensei: “Que
resposta posso dar? Porque uma pessoa responde por crime? Porque cometeu uma
conduta descrita na Lei Penal? Porque há denúncia e esperam comprovar tudo na
fase Judicial? Injustiça... Realmente o mundo é injusto. Eu por exemplo poderia
estar lendo o livro “Cinquenta tons
de cinza” que está no meu carro e saberia se a boba da Anastasia vai conseguir
se livrar do tarado pervertido do Cristian Grey e, no entanto, cá estou, sendo
questionada sobre um tanto de coisa que sinceramente não tenho resposta.
Poderia estar com meu I-Pad no blog da Thássia Naves vendo as últimas
tendências da moda, as maravilhosas festas... mas infelizmente o mundo é
realmente injusto e, para mim um pouco mais, pois há um complô cibernético
contra a minha pessoa que me impede de usufruir a tecnologia já existente.
Minha evolução, como já comentei com
vocês, anteriormente, parou na
máquina elétrica de datilografar.
E a testemunha da acusação não
chegava... e a audiência não começava... e as perguntas da moça desconhecida não
paravam... e como percebi que ela não queria respostas, mas sim, queria, apenas,
desabafar continuei ouvindo e dizendo “é, é difícil...”
Pregão das partes! Oba! A
audiência vai começar!
A testemunha de acusação não
compareceu e o MPF ia desistir. Contudo, como não havia outra testemunha e tudo
levava a crer que o meu assistido tratava-se de “laranja”, a acusação resolveu
insistir na oitiva do dito cujo. A Juíza se dirige a mim e pergunta: “Podemos ouvir as suas
testemunhas?” Respondo que não dá, pois trata-se da contadora da empresa, e eu
não queria adiantar seu depoimento para a dita testemunha ausente de acusação
(que sinceramente no meu entender deveria estar constando no polo passivo, como
acusado, e não como testemunha, ainda mais de acusação!).
Enquanto digitava-se a ata de
audiência a “testemunha” chegou. Pediu desculpas para a Magistrada e solicitou
que, se não fosse muito inconveniente, ele gostaria de ser ouvido um outro dia,
pois não poderia sentar. E que este fora, exatamente, o motivo do atraso.
Nesta hora um cheiro muito forte
tomou conta da sala e a Juíza como estava com sinusite não tomou conta da
situação calamitosa e perguntou: “Mas o senhor teria condições de dar seu
depoimento em pé?”. (Acho que ela
pode ter pensado que se tratava de uma cirurgia, por exemplo, de Hemorroida, ou
coisa parecida).
Nesta hora eu já estava
praticamente desfalecida e desesperadamente tentava conter minha ânsia de
vômito para não constranger o Senhor que iria depor. Contudo, a pergunta da
Juíza me deixou em pânico, pois não sabia mais despistar a ânsia de vômito.
Bati o braço na bolsa, que caiu
no chão e abaixei para pegá-la. Fiquei em baixo da mesa e fazia ânsia baixinho. Nesta hora o Procurador presente se
escondeu atrás do monitor em sua frente e tentava conter um riso. E eu pensado
nas palavras da senhora, na sala de espera, que me abordara minutos antes:
“Injustiça... Esta é a palavra... nem monitor eu tenho para me esconder
atrás...” e permanecia embaixo da mesa.
O livro “Cinquenta tons de Cinza”
em meu carro e eu vivenciando literalmente “Cinquenta
tons de marrom”, concluindo que o do Sr. Grey, e seus acessórios torturantes,
eram, realmente, muito menos humilhantes que o tom de marrom que eu e o Senhor estavamos vivenciando.
Para distrair meu físico comecei
a pensar no enredo de “Cinquenta tons de marrom”:
- Capítulo um: Mecônio...onde
tudo começou.
-Capítulo quinze:
Impossibilidade de vivenciar o marrom aos finais de semana: a saga das mães que
não conseguem babás e por conseguinte, não conseguem fazer coco. (Lembrei do
e-mail, de uma amiga para o grupo, em que ela relatava sobre a impossibilidade
de fazer o “número dois”, por conta de demanda de filhos).
-Capítulo trinta: Incontinência
intestinal por ingestão de alimentos inadequados e seus efeitos na vida alheia.
Nesta hora refleti mais um pouco
sobre a famosa injustiça. Anastasia com o homem esquisito, mas rico e bonito... Sobre a sorte da escritora que a
essa altura já deveria estar milionária... e o fato de que eu, provavelmente,
iria “morrer” asfixiada, e não poderia, assim, dar sequência à trilogia de “Cinquenta tons de marrom Mais Escuros”
e “Cinquenta Tons de Liberdade: a descoberta de
remédios reguladores de intestino e os benefícios da farmacologia”.
Mas, principalmente, o que mais
me chateava era não saber o final do livro e o que a esquisitice do Sr. Grey
preparava para a chata da Anastasia. E porque haveria de ter um segundo e um
terceiro livro sobre um assunto SM (o significado da sigla só entendi quando li
a crítica sobre o livro).
Pensava que, se Christian Grey
se chamasse Agenor, fosse bombeiro, oferecesse vinho Chapinha e desse um vale
transporte para Anastasia encontrá-lo
num motel de quinta categoria na Rua Guaicurus, e depois pedisse para ela pagar
a conta, talvez ela não se submetesse a tanta coisa. Talvez a dúvida dela sobre
aceitar a submissão, nem existisse. Talvez não, com certeza não existiria.
Volto à realidade e uma luz no
fim do túnel começa a tomar força. A testemunha extremamente sensata explica,
muito educadamente: “Doutora eu não sou homem de meias palavras, minha situação
neste momento não me permite isso. O motivo de eu não poder testemunhar agora,
é o mesmo que me impediu de chegar aqui na hora certa. Estava no táxi quando
tive uma indisposição intestinal. Sujei o carro do taxista e o Hall da Justiça.
Gostaria, realmente, de poder tomar um banho e outro dia depor... Mas se a Dra.
quiser posso sim, testemunhar em pé.
Sim, sim, sim. Marque a
audiência para outro dia, Dra. Juíza. Afinal eu não tenho sinusite. Minha cara
devia estar muito engraçada pois, nesta altura, as risadas do Procurador
começavam a entregá-lo.
Assim, a Dra. constrangida marca
outro dia pra a audiência. Todos assinam o termo e, ao final, quando todos já
tinham ido embora, a Dra. me
pergunta: “Menina, você sentiu cheiro de alguma coisa? Eu com sinusite não
percebi nada... Bem que o médico me fala para eu operar. Que meu nariz tá todo
bichado”.
Respondo sem pestanejar:
“Realmente a cirurgia não seria de todo ruim. Já operei e é muito bom poder
sentir os cheiros, respirar pelas duas narinas... Claro que não sentir este
cheiro de agora. Este, especificamente, acredito que ninguém quer sentir. Mas
quantas vezes passamos por algo assim? Tenho 37 anos e esta é a primeira vez.
Acho que, definitivamente, a cirurgia é uma boa coisa. Vale a pena. Acho,
também, que se tivesse um “bom ar” agora seria uma coisa melhor ainda.”
Nesta hora o Procurador começa a
rir e com sotaque, bem carregado, fala: “Dra. a Senhora é engraçada por
demais!”. Sim!!! Ele tinha um monitor para protegê-lo, e a mim só restou o chão,
em baixo da mesa de audiência. Aí, claro,
fica engraçado, para quem está “por cima
da carne seca”.
Bem, enfim este é meu
desabafo...
Então confiro, mais uma vez as
destinatários. Vejo o quanto a mensagem ficou grande e aperto o enviar.
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